A situação do adolescente César Oliveira, de 17 anos, que se internou em um hospital público do Distrito Federal para extrair dois dentes, masteve todos os 28 arrancados comoveram os dentistas Giovani Rondon e Carlos Manilhas, coordenadores do curso de cirurgia dentária da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas (APCD), de Franca, que se ofereceram para realizar os implantes para a recuperação da arcada dentária do rapaz.
Rondon ficou sabendo do caso de César pelo Jornal Nacional e se sensibilizou com a situação do jovem. "É um caso comovente. Nós lidamos muito com essa situação, mas em pacientes mais velhos. Sabemos a importância de devolver a dignidade a essas pessoas", afirmou. O dentista se comoveu ao saber que o rapaz não vai à escola e não tem conseguido se alimentar adequadamente desde que fez a operação, há cerca de um mês.
César teve todos os dentes da boca arrancados sem seu conhecimento ou consentimento da família. A mãe do adolescente, Maria Oliveira, conta que, depois da cirurgia, o médico disse que tinha descoberto uma doença na gengiva de César e que, por isso, retirou todos os dentes. Segundo Rondon, a importância da arcada dentária ultrapassa o aspecto estético.
"É um problema funcional, psicológico e mastigatório. Mexe com a autoestima do paciente", diz Rondon.
A empresa Sin Implantes, também de Franca, se ofereceu para arcar com as despesas do tratamento e do transporte e hospedagem de César e de sua família na cidade, durante o tratamento e também durante o pós-operatório.
O Conselho Regional de Odontologia de Brasília, que investiga o caso, também se comprometeu a fazer um tratamento completo de reimplantes dentários no adolescente.
O jovem César Oliveira Ferreira, 19 anos, quase não sorri; quando o faz, se apressa em levar a mão à boca. Nos últimos dois anos, o contato dele com outras pessoas da mesma idade também minguou, mas não porque elas tenham se afastado --é ele mesmo quem faz questão de se afastar. Engana-se, no entanto, quem pensa que o comportamento do rapaz, que é deficiente mental, se deve a timidez pura e simples: César teve todos os 28 dentes arrancados em setembro de 2009 em uma cirurgia desastrosa na qual apenas dois dentes deveriam ser extraídos. O caso aconteceu em Brasília no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), que integra a rede pública de saúde do Distrito Federal (DF).
À época, o então adolescente de 17 anos faria a extração em um consultório. Nervoso, foi encaminhado pelo cirurgião-dentista ao HRAN, onde recebeu anestesia geral. Alegando uma suposta patologia na arcada dentária do paciente, o profissional só comunicou a mãe de César sobre o procedimento depois de realizadas as extrações. A dona de casa Maria Aldenora de Oliveira, 49, no entanto, recorda com tristeza a forma como descobriu que o filho ficara na nova situação: “Eu estava no centro cirúrgico toda paramentada com roupa, bota e touca, mas em uma sala ao lado daquela onde ele estava. Só depois de tudo feito que pude entrar. Fui limpar a boca do meu filho, que sangrava, e vi que ele estava sem nenhum dente na boca --fiquei sem ar, sem chão, parecia que tinha batido a cabeça, tamanho o meu desespero”, disse, em entrevista aoUOL Notícias.
A mãe denunciou o caso ao Ministério Público no DF e entrou com uma ação por danos morais e materiais na Justiça comum contra a secretaria estadual de Saúde, que, após o fato, chegou a afastar temporariamente das funções o cirurgião-dentista e a chefe da área odontológica do HRAN. Do processo contra o órgão estadual a dona de casa ainda não obteve uma resposta; pelo MP-DF, a família conseguiu que o profissional concordasse com acordo indenizatório pelo qual depositará em uma caderneta de poupança, em 17 parcelas de R$ 3 mil, cada --que começaram a ser pagas ano passado --, a soma de R$ 51 mil.
IML
Além da não comunicação do procedimento à família, conduta vedada pelo Código de Ética dos profissionais de Odontologia, o cirurgião dentista também errara pelo procedimento em si. A constatação foi feita dias depois de o caso ganhar publicidade --com a denúncia da mãe de César --emlaudo do IML(Instituto Médico Legal) de Brasília, cuja perícia concluiu que, tecnicamente, não havia qualquer necessidade de extração dos outros 26 dentes do jovem. O diretor do IML, Malthus Fonseca Galvão, afirmou na ocasião não existir qualquer problema grave nos dentes do paciente: a perícia constatou apenas pequenas ocorrências mínimas, como cárie e problemas na gengiva.
Dois anos, duas cirurgias, nenhum dente
Desde a extração, o jovem passou por duas cirurgias de um grupo de voluntários composto por cirurgiões e professores do DF, mas para colocação de enxerto e de pinos. O grupo é coordenado pelo presidente do CRO (Conselho Regional de Odontologia) do DF, Júlio César, entidade que livrou o cirurgião de punição em processo ético deflagrado pelo caso César.
A previsão do presidente do CRO-DF é que “em no máximo duas semanas” o jovem seja submetido a cirurgia para colocação de dentes provisórios, e “mais 15 a 20 dias” para os dentes definitivos. “Na época foi um oba oba, todo mundo querendo sair na fotografia, mas tínhamos que tratá-lo com dignidade. Por isso esse grupo resolveu tomar a frente para resolver o problema da família -e posso dizer que o deixaremos com o melhor tratamento de implante do mundo”, prometeu. O que motiva a solidariedade com um tratamento caro para tentar corrigir o erro de outro profissional? “Solidariedade, apenas”, resumiu o presidente do CRO-DF.
Rotina transformada
A dona de casa conta que o erro como o do cirurgião-dentista mudou não apenas a vida do filho, como do restante da família. Hábitos simples como o churrasco do fim de semana se tornaram algo praticamente proibido em casa a fim de que o jovem não sofra ainda mais com a limitação imposta.
“Mudou tudo na nossa rotina, né? No início ele não queria mais ir à escola (a Apae-DF, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do DF), pois ficou com vergonha. Depois de um mês voltou, mas fica com certo receio, com vergonha... a auto-estima nunca mais foi a mesma, pois ele vê as outras pessoas sorrindo e se retrai. Apesar da deficiência, ele entende bem”, conta a mãe. O receio a que ela se refere já se manifestou, por exemplo, em ações relativamente simples como a retirada de sangue para exames. “Preciso conversar muito antes porque ele fica preocupado, triste; criou um trauma. Também deixei de fazer churrasquinho, e ele ama churrasco, pois desde que isso aconteceu fica mais à base de comida pastosa. Não é fácil”, relata a dona de casa.
Religiosa, ela garante acreditar que “tudo tem um motivo para acontecer”. Mas também mostra fé em que a Justiça dos homens ainda possa trazer algum efeito benéfico de tudo que passou com o filho: “Essas decisões demoram e sei que dinheiro nenhum compensa o que meu menino passou. Meu marido tem emprego (é funcionário público de serviço social) e temos casa própria. E esse doutor --que, segundo me falam, é uma pessoa boa --tem cumprido a meta colocada pelo Ministério Público (o pagamento da indenização, parcelado)”, define, para ressalvar: “Mas se eu fico quieta, onde isso ia parar, se é dessa forma que agem com pessoas que a gente chama de especiais? Pelo menos tenho muita fé que meu filho vai ter um sorriso lindo de novo. Isso eu sei.”
Tendo em vista a grande complexidade da natureza da prática médica e do grande número de intervenções que cada paciente recebe, a incidência de uma alta taxa de erros não constitui surpresa.
Apesar dos avanços da medicina e dos recursos tecnológicos em hospitais brasileiros, a realização de procedimentos simples pode ser algo altamente perigoso se o médico for negligente, o que gera consequências graves aos pacientes e seus familiares.
Em uma década, o número de processos por negligência ou imperícia encaminhados anualmente ao Conselho Federal de Medicina, CFM, a última instância por onde passam processos vindos de todo o Brasil, aumentou sete vezes. Ao todo, foram 356 processos O número de condenados caiu porque o Conselho diz que não consegue julgar tantos casos. Há 200 na fila de espera.
O tema em questão aborda fatos que vêm ocorrendo com frequência, casos em que o paciente pode ter a vida totalmente modificada apenas por um erro de intervenção clínica. Escolhemos esse tema, porque percebemos que nem tudo é de fato divulgado, ou é simplesmente esquecido pela mídia, com isso, notamos que os erros médicos acontecem com mais frequência do que pensamos. Em Nova York- Estados Unidos, foram realizados um estudo em 1991, por uma das revistas mais conceituadas na área da saúde- New EnglandJournalof Medicine, nos hospitais do Estado, e com base em 30.000 prontuários descobriu-se que dois terços das complicações que resultaram em internação prolongada, incapacidade ou morte foram provocadas por erros médicos.
Erro médico é a falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente da ação ou da omissão do médico, por inobservância de conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal maior. Observa-se que todos os casos de erro médico julgados nos Conselhos de Medicina ou na Justiça, onde o médico foi condenado, o crime foi designado como culposo.